Artigostermo de ajustamento de conduta

Por Ana Clara Barcelos Pereira

1. Introdução

        O objetivo deste estudo é analisar a Lei de Regularização Fundiária Urbana, nº 13.465 de 2017, de maneira a apresentar a hipótese de regularização fundiária em áreas de ocupação irregular da população, mediante o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Os resultados apontam que é possível efetivar o direito à moradia pelo TAC, desde que aplicado por instrumentos técnico-científicos que garantam a proteção ambiental, social e econômica da comunidade ali instalada.

2. Termo de Ajustamento de Conduta

        Primeiramente, o Termo de Ajustamento de Conduta é um meio alternativo de solução extrajudicial de conflitos. Isso porque, uma vez proposto, espera-se que o compromitente vá cumprir as exigências estabelecidas pelo legitimado-compromissário. Caso não cumpra, o movimento extrajudicial não se esgota, não se finda, tendo em vista a possibilidade de ingressar em juízo visando sua execução.

        Uma vez admitido, oferecido e cumprido, não mais subsistirá o denominado dano que deu causa à sua oferta e, desse modo, qualquer lesão ou ameaça a direito difuso, coletivo ou individual homogêneo. Dessa forma, a origem do TAC é suprimir a ação de conhecimento, uma vez que, celebrado, pressupõe-se a aceitação do compromitente quanto à ofensa ao direito difuso, coletivo, ou individual homogêneo por ele praticado.

        Dessa maneira, o TAC tem como finalidade a defesa dos interesses que ultrapassam o círculo individual partindo para a coletividade, ou seja, o direito de todos os indivíduos, firmando-se o compromisso pelo causador do dano a ajustar a sua conduta de maneira a submetê-la às exigências legais, ou seja, o objeto.

        A legitimidade ativa para propor a execução do título de crédito extrajudicial consubstanciado nos termos do TAC está prevista na Lei Especial da Ação Civil Pública (LACP – Lei nº 7.347 de 1985), em seu artigo 5º, incisos I a V e o seu parágrafo 6º, combinado com o artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor, como se segue:

Art. 81, CDC. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste    código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Art. 82, CDC. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I – o Ministério Público,

              II – a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal;

III – as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica,      especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;

IV – as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear.

§ 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.

              § 2° (Vetado).

              § 3° (Vetado).

         Importante destacar que a legitimidade ativa é condição essencial para a propositura da execução. E, caso não atenda às condições, extinguira-se o processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, do Código de Processo Civil. 

        Ou seja, nem todos os legitimados à ação civil pública podem ser compromissários, apenas os órgãos públicos inseridos no rol de incisos do artigo 5º da LACP em combinação com disposto no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor.

        Com isso, são legitimados ativos concorrentemente para o ajuizamento da ação civil pública e para ser compromissários do TAC o Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios, o Distrito Federal e as Entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, mesmo que sem personalidade jurídica, designadamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos pelo CDC.

        Em se tratando da legitimidade passiva, isto é, o interessado no Termo de Ajustamento de Conduta, conforme artigo 5º, parágrafo 6º, da LACP, é enquadrada a pessoa física ou jurídica de direito público ou privado responsável por um dano (ou ameaça) a interesse difuso ou coletivo.

       Por último, prevalece o entendimento de que sua eficácia não necessita de homologação judicial. Isso porque, sua essência é um ajuste extrajudicial. É certo que, o TAC é um título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 5º, parágrafo 6º, da LACP e artigo 585, incisos II e VIII, do Código de Processo Civil.

3. A aplicação da Reurb pelo TAC

A regularização de ocupações que estão de alguma forma irregulares visa, especialmente, atender a função social da propriedade, o uso coerente do solo, assim como dos recursos naturais disponíveis, enquanto tem como meta a preservação do meio ambiente, e todo o seu equilíbrio, quando se busca a efetivação dos princípios previstos na CR/88, em seus artigos 182, 186, incisos I e II e no artigo 225, § 1º, incisos I e III, coluna e baluarte do Direito Ambiental, conjugados com os direitos elencados no art. 5º XXIII, art. 6º, do direito universal à moradia e das funções sociais da propriedade, trazendo, assim, firme guarida para essas famílias.

Desse modo, destaca-se no âmbito jurídico-político a obra de Gomes e Ferreira (2017), em interdependência com a comunidade local, como se segue: “uma determinação principiológica vinculante que visa ao aperfeiçoamento da tutela efetiva dos direitos fundamentais para que possam se materializar em bem-estar para as gerações presentes e futuras gerações, num prisma de proteção da vida em suas diferentes formas” (GOMES; FERREIRA, 2017, p. 96).

Mas, o que é sustentabilidade? Para Freitas (2016) o conceito de sustentabilidade tem relação direta com a forma de se alcançar o bem-estar. 

Assim, a procura pelo permanecer sob o modelo da sustentabilidade não pode ser individualista, devendo ser imparcial e justo e, garantido a todos, o direito de buscar permanecer, como exposto por Freitas (2016), no conceito de sustentabilidade, como se segue:

Trata-se do princípio constitucional que determina, com eficácia direta e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao bem-estar (FREITAS, 2016, p. 43).

Nesse sentido Gomes e Ferreira (2017), relacionam a sustentabilidade ao equilíbrio ambiental, afirmando o direito de todos usufruírem o bem-estar próprio, incluindo o direito à moradia digna em âmbito global, mas também particular, como se segue:

A sustentabilidade denota uma preocupação internacional em promover o pleno desenvolvimento sustentável dos povos e das comunidades de modo a preservar o meio ambiente equilibrado para as gerações presentes e futuras gerações […] é multidimensional, pois agrupa as dimensões social, ambiental, econômica, ética e jurídico-política, torna-se indispensável complementar cada uma de suas dimensões e suas próprias especificidades (GOMES; FERREIRA, 2017, p. 94).

Portanto, não se pode falar em sustentabilidade sem o acesso, pelas comunidades mais pobres, à moradia digna em um ambiente equilibrado, pelo espaço inclusivo de políticas públicas, levando em consideração o direito de cada indivíduo de buscar se manter no ambiente, de maneira digna e, pela condição em que se deparam, mesmo que seja no remanescente, na carência de oportunidades.

Desse modo, para abordar a condição das ocupações irregulares, é imprescindível apresentar um olhar inclusivo, por leis que tratem pela busca do permanecer, de forma razoável e sustentável, ou seja, dar a eles o direito de permanecer com formas que proporcionem sua regularização.

Com esse objetivo, a aplicação da Reurb por meio do TAC se faz essencial pelo modelo da sustentabilidade, em Freitas (2016), já que busca o respeito pela dinâmica social urbana, sob os diferentes aspectos em todas as suas dimensões, para alcançar o direito à moradia digna, tendo como protagonista a comunidade local para construir soluções de forma participativa, como apresentado por Gomes e Ferreira (2017). Neste sentido:

A dimensão social da sustentabilidade enfatiza uma necessária e indispensável preocupação com o ser humano e sua qualidade de bem-estar, pois existe uma íntima relação entre a qualidade de vida do ser humano e a qualidade do meio ambiente, uma vez que são conceitos indissociáveis (GOMES; FERREIRA, 2017, p. 95).

De tal modo, o ânimo e consciência, para readequação da comunidade, estarão na consciência de ter o direito de permanecer concretizado, compreendendo de forma inegociável, quando não proibido pela lei, o direito à moradia digna, pelo próprio direito inerente a todo o cidadão, de forma individual e para seus sucessores.

A partir disso, o planejamento em longo prazo, compreende-se a consciência de solidariedade, fraternidade e meio ambiente, de forma a se ver presente a conscientização da preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações presentes e futuras, conforme artigo 225 e incisos, da CR/88.

Como revelado por Gomes e Ferreira, esse direito engloba tanto os aspectos ambientais, como econômicos, sociais, ambientais e éticos, bem como jurídico-políticos, atendendo, desta forma, todas as extensões do desenvolvimento sustentável e da sustentabilidade. 

4. O Termo de Ajustamento de Conduta como meio para a concretização da REURB

         O presente estudo pretende apresentar uma forma extrajudicial e facilitadora para a solução de conflitos, por meio do TAC, nos termos do parágrafo 6º do artigo 5º da LACP, utilizando-se do procedimento da Regularização Fundiária Urbana, regido pela Lei Federal nº 13.465 de 2017. Dessa maneira, o TAC, a título de exemplo, consiste em dar oportunidade para o responsável pelo prejuízo ambiental assumir o compromisso de impedir ou remover o dano, e/ou de reparar o dano, como diz Rodrigue e Klippel (2009):

O Termo de Ajustamento de Conduta é um dos métodos pelos quais se exerce a composição do litígio no Estado Contemporâneo, que deve prestar atenção aos novos direitos, que não se tutelam satisfatoriamente por meio do tradicional método do ressarcimento pecuniário e necessitam de técnicas alternativas de composição, expandindo, pois, o acesso à ordem jurídica justa (RODRIGUES; KLIPPEL, 2009, p.218).

        Assim, o TAC se torna um meio para a concretização da Reurb na medida em que obriga formalmente a comunidade local a se ajustar às disposições normativas citadas, não abrindo mão da reparação do direito difuso disponível, mas, pelo contrário, tornando possível a sua proteção e/ou reparação de maneira eficaz.

        A atuação participativa da comunidade torna o negócio jurídico válido, de maneira efetiva, pois a atuação acontece de imediato, com exigência certa, líquida e exigível, logo após a formalização do acordo, com tempo determinado, tendo eficácia de título executivo extrajudicial, nos termos do artigo 5º da LACP, parágrafo 6º, demonstrado a seguir: “Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante  cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial” (BRASIL, 1985).

    Artigo 5º, LACP:

§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

        Em se tratando, por exemplo, de compensações por meio de projetos ambientais e formas de melhoria das condições ambientais na área a ser regularizada, o Decreto nº 9.310/18 aborda seus requisitos, como:

[…] Condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades de conservação, quando for o caso: VI – comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e VII – demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos d’água, quando couber (BRASIL, 2018b).

        Como requisitos específicos, pode-se requerer a substituição imediata de todas as fossas negras por fossas cépticas, barreiras de contenção da enxurrada, recuperação das áreas degradas nos entornos de rios, a título de exemplo.

        Destaca-se, também, educação ambiental de forma efetiva com a obrigatoriedade de cumprir, por cada morador, horas aula ou palestras, estipuladas pelo órgão competente, coleta de lixo imediato com destinação mais apropriada, definida pelos órgãos competentes dentre outras sugeridas em coparticipação.

        Porém ressalta-se, como exporto por, Gomes e Rossi (2016, p.260), que há de se ter cuidado na implementação do TAC, uma vez que se trata de instrumento baseado por critérios e instrumentos técnico-científicos de garantia mínima, sendo necessário, para que ocorra sua homologação judicial, melhorias concretas nos âmbitos socioambientais que, entretanto, cubram a coisa julgada, na medida em que não será mais possível discutir as obrigações ali tratadas após a homologação judicial.

        Nesse sentido, também orienta Ferreira Gomes (2019, p.73), observando o princípio da indisponibilidade, limitando o Ministério Público a valer-se do TAC como ferramenta para a efetivação do direito à moradia, sem dispor do bem ambiental, não podendo abandonar ou diminuir a proteção dos direitos difusos, somente adequar a execução para sua recuperação, por prazos determinados e formas específicas.

        Portanto, para o alcance dos resultados, é necessária a abordagem técnico-jurídica assentada em método hipotético-dedutivo com técnicas de pesquisa bibliográfica, com o exame da Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017, que dispõe sobre Reurb-S e Reurb-E, tendo como referência de doutrina, a obra de Gomes de Ferreira (2017), sobre as dimensões Jurídicas-Políticas da Sustentabilidade, bem como a análise do Decreto nº 9.310, de 15 de março de 2018, tenda em vista os direitos elencados no artigo 6º e 225 da Constituição Federal de 1988, requerendo a aplicação do TAC, em suas hipóteses.

        Além disso, é de extrema importância a análise da amplitude do direito à moradia e do desenvolvimento sustentável e suas peculiaridades, sobre a Reurb-S, abrangendo, também, o Termo de Ajustamento de Conduta, como ferramenta eficaz para sua aplicação, com intuito de satisfazer o Desenvolvimento Sustentável, em ambas as suas facetas, desenvolvendo propostas para preencher os requisitos impostos, seja de medidas compensatórias, reparatórias ou para proteção, em busca da conciliação entre o Direito à Moradia e o Desenvolvimento Sustentável.

        Ademais, não constam restrições na legislação vigente, nem obstáculos que não possam ser resolvidos com a participação da comunidade, se tornando essencial a aplicação das leis ora mencionadas, suas especificidades, na apreciação do caso concreto, para possível viabilidade de sua regularização pelo Termo de Ajustamento de Conduta.

        Isso porque, nos dias de hoje é necessário ter a consciência do ser e do dever ser, do poder e do poder ser, ambos acompanhados pela razão, a responsabilidade de se afastar da ignorância, de construir oportunidades e valores, de permanecer ou não, com um bom planejamento realizado previamente.

        O direito à moradia se concretiza pela oportunidade de permanência e continuidade. Dessa forma, tem-se como finalidade o direito à moradia como base para a empregabilidade, originária do fruto da habilitação e capacitação do cidadão, com fins à capacidade e emancipação, pelo diálogo e alternativa.

5. Responsabilidade Social Corporativa (RSC) 

         As empresas atuais necessitam ligar suas metas financeiras e econômicas às demandas relacionadas com a cidadania, ética e moral nos negócios e preservação do meio ambiente. Ao alcance da população, o comportamento socialmente relevante vem sendo compreendido como crucial para estabelecer cenários de sucesso ou prejuízo para a empresa.

         A Responsabilidade Social Corporativa tem como particularidade compreender vários alcances do vínculo moral e ético que uma empresa precisa ter com os diferentes grupos de interesse da coletividade, também nomeados stakeholders. Eles retratam todo tipo de grupo que prejudica de alguma forma a empresa ou que por ela é prejudicada em suas metas organizacionais. Já declarou (Mostardeiro & Ferreira, 2005): Essa abordagem nos leva a crer que a legitimidade que os stakeholders vêm assumindo nesta nova concepção de relacionamento é um dos pilares para o entendimento da RSC. 

6. Stakeholders 

         De acordo com Freeman, 1984, Stakeholder é qualquer grupo ou indivíduo que pode afetar ou ser afetado pela realização dos objetivos dessa empresa. Stakeholder inclui aqueles indivíduos, grupos e outras organizações que têm interesse nas ações de uma empresa e que têm habilidade para influenciá-la (Savage, Nix, Whitehead, & Blair, 1991). Ao negligenciarem esses grupos, algumas empresas já foram devastadas ou destruídas (Tapscott & Ticoll, 2005). 

Ocorre, que é de extrema importância reconhecer os stakeholders e identificar o seu poder e sua influência, na medida em que têm repercussão fundamental no sucesso ou fracasso de um projeto. Nesse sentido: 

Conhecer os gaps entre o que os membros da empresa consideram como essencial, o que a empresa projeta e como os stakeholders externos percebem esses atributos, fornece elementos para que a empresa defina estratégias mais eficazes de posicionamento e relacionamento, construindo imagens mais coerentes e consistentes e uma reputação mais forte (Almeida & Muniz, 2005). 

Dito isso, as empresas devem definir metas de relações com seus stakeholders, de forma a estabelecer um método de estratégia ininterrupto de sua gerência. Isso porque, tendo o stakeholder a potencialidade para ameaçar ou contribuir, a empresa pode impedir a concretização de planos que serão contrários aos deles, de maneira a reconhecer suas necessidades, alterar planos para envolvê-los e poupar de problemas com suas organizações, por exemplo. 

7. Os benefícios da Reurb à comunidade 

         É importante destacar a correlação direta existente entre o fomento ao desenvolvimento econômico e social e a Reurb inaugurada com a Lei nº 13.465 de 2017.  Além de propiciar acesso ao título de propriedade aos menos favorecidos, a regularização fundiária urbana é também um meio essencial para o desenvolvimento econômico do Brasil e de redução da pobreza. Em decorrência da Reurb há o investimento no aumento da qualidade dos imóveis e a possibilidade de acesso a financiamentos para investimentos em negócios menores e na melhoria da qualidade de vida do indivíduo. 

         Em seu artigo 39, o Estatuto da Cidade dispõe que:

A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2o desta Lei. 

        Salienta-se, portanto, que a propriedade imobiliária deve ser vista com um olhar especial, atento para a sua função social, que entre outros propósitos, se encontra o desenvolvimento econômico, o que se desenvolverá a seguir.

8. Uma análise do ativo econômico criado pela regularização fundiária urbana 

        A realidade da ocupação dos espaços urbanos brasileira soma, em torno de 85% (oitenta e cinco por cento) da população vivendo nas cidades. Segundo dados de 2018, do Ministério de Desenvolvimento Regional, o Brasil tem hoje cerca de 60 (sessenta) milhões de domicílios urbanos, sendo 30 milhões deles irregulares. Mais da metade dos imóveis não são elegíveis e estão fora do mercado formal de crédito, ou seja, linhas específicas de crédito como o crédito do imóvel próprio, linha de juros baixos que muita gente não tem conhecimento.

         A posse dos imóveis, embora sirva para o exercício de vários direitos, não proporciona o capital econômico. Um imóvel regularizado, que confira propriedade ao seu ocupante, aumenta muito o capital econômico deste último, que poderá ter um patrimônio formal disponível para negociar, ter acesso a crédito mais barato e tomar decisões familiares mais seguras. 

         Com a Reurb, uma moradia informal inexistente no mercado passa a ser, com título dominical ou de reconhecimento da posse, efetivamente, um ativo imobiliário, ou seja, um ativo econômico. À vista disso, indaga-se qual a importância da transformação e da criação desse ativo econômico para aquele indivíduo e o que é um ativo econômico em geral. Ainda, indaga-se quais são os benefícios que um ativo econômico traz para o mercado. 

         O ativo, assim, compreende o conjunto de bens e direitos daquela entidade ou pessoa, com valores econômicos que pode ser transformado em dinheiro, de modo a proporcionar ganho para o indivíduo. Ou seja, é o elemento de caráter positivo do patrimônio, incluindo fundos de investimentos e ganhos futuros. 

         Ressalta-se que esse ativo econômico é o imóvel resultado da implantação da Reurb por meio do TAC, isto é, um bem que passa a existir formalmente e ter potencial para se tornar um meio financeiro. 

         Valendo-se do trabalho do economista Hernando de Soto (2001), o autor traz, com maestria, em seu livro “O mistério do capital”, significados e ideias importantes para o tema aqui desenvolvido. A ideia central do autor é a identificação do valor intrínseco da propriedade. O autor dá o seguinte exemplo: um lago pode ser apenas um lago bonito, onde se pode nadar, pescar e passear. É apenas um bem físico. Mas um lago, onde se instale um gerador de energia, tem o seu potencial econômico alterado e se transforma em capital. No livro, o economista enfatiza que é a propriedade formal que proporciona o processo, as formas e as regras que fixam os ativos em uma condição que permite convertê-los em capital ativo. Logo, nota-se a relevância de uma propriedade formal e regularizada nas mãos do cidadão, de modo a se tornar uma potência econômica perante o sistema capitalista.

         Segundo de Soto, (2001), os países pobres se desenvolveram de maneira mais lenta em relação aos países ricos em razão da carência de indefinição dos direitos de propriedade. A implantação de um exemplar inicial não eficiente facilitou para que alguns países não alcançassem alto grau de desenvolvimento, enquanto outros, em virtude de terem estabelecido um sistema apropriado, atingiram um melhor desfecho. 

         Ainda, segundo De Soto (2001) um dos principais motivos do êxito dos países desenvolvidos foi a invenção de um sistema de registros formais sobre a propriedade privada, do mesmo modo das transações efetivadas com elas. Com isso, percebe-se a considerável importância em se ter um sistema imobiliário de maneira regularizado, ou seja, de forma a garantir os direitos de propriedade aos cidadãos e, consequentemente, lhes serem concedidos maior segurança jurídica. 

          Com isso, visto que as propriedades fundiárias vêm-se configurando como “puros bens financeiros”, a renda da terra passou a ser crescentemente modificada e capitalizada por meio de juros, o que fortaleceu o modo rentista junto ao setor imobiliário.

          Enfim, com todo o valor que o direito de moradia representa, há uma potencialidade muito maior de capitalização daquele imóvel. Nota-se ainda que, quanto mais pobre a pessoa, maior o potencial de aumento desse capital: as pessoas ganham autonomia, desenvolvem e crescem. Reconhecer o valor do imóvel, como um ativo econômico, portanto, é um instrumento de política pública estrutural para a organização do espaço urbano. 

Assim, o fato do indivíduo possuir um ativo econômico, a partir de instrumentos de regularização fundiária urbana por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta, além de ocasionar uma maior efetividade do exercício de sua cidadania, viabiliza o seu acesso ao mercado de consumo e financeiro, destacando-se o seu acesso à concessão crédito, notadamente o imobiliário.

Nesse sentido, a regularização fundiária urbana, por meio de seus instrumentos jurídicos e políticos, pode ensejar um aumento da renda per capita, na medida em que há a segurança jurídica da titulação, proporcionando ao indivíduo almejar frutos melhores na sua vida. 

Há também um efeito psicológico na comunidade regularizada de forma intangível, por meio de estímulos para uma busca de uma vida melhor. Ademais, para que o imóvel sirva de lastro para uma operação de crédito, é preciso que se tenha sobre ele a regularidade. Os estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) demonstram relação entre propriedade e o bem-estar. A título de exemplo, veja-se o caso da Regularização Fundiária na comunidade Quinta do Caju, no Rio de Janeiro, no qual o impacto gerado pela Regularização Fundiária Urbana apurou um aumento em torno de 20% (vinte por cento) a 32% (trinta e dois por cento) na renda domiciliar per capita dos domicílios então regularizados, contrapondo com os não tratados. Veja-se a tabela a seguir: 

TABELA 1

Fonte: Coordenação de Regularização Fundiária, Secretaria de Habitação, Prefeitura do Rio de Janeiro.

No caso em tela, a regularização Fundiária Urbana trouxe um ganho intangível de aceleração do aumento da renda per capita dessa comunidade, de modo o proporcionar o desenvolvimento econômico. Regularizar é, portanto, promover ganho de capital para as famílias, é promover acesso formal ao crédito.

9. Conclusão

Considerando as novas possibilidades de regularização fundiária urbana, advindas com a Lei nº 13.465/2017, no que se refere aos seus reflexos no desenvolvimento econômico da comunidade ali instalada, conclui-se pela importância da crescente regularização de imóveis que estão na informalidade, apartados da economia e do efetivo exercício da cidadania daqueles que os ocupam.  

Diante dessa potencialidade econômica, há de se difundir esse mecanismo de regularização por meio dos TAC´s. A nova legislação veio, assim, para romper os paradigmas e para desmistificar as tão faladas “dificuldades” de se regularizar um imóvel no Brasil, estigmatizado pela burocracia. 

Agora, resta a todos os envolvidos e interessados, juntamente com o Estado, promover o crescimento da Reurb no País com muito estudo e projetos impulsionadores desse procedimento, para que o desenvolvimento econômico, sedento, chegue efetivamente na nossa realidade. 

        Nesse sentido, apresenta-se o TAC como medida que respondesse efetivamente à morosidade de um ordenamento jurídico paralisado e das tutelas de urgência, alheias ao clamor local, que não cumprem a problemática socioambiental.

        Com isso, busca-se apontar alternativas que aproximem o Estado à comunidade, em todos as suas pretensões, para elaboração de políticas públicas e soluções, que vem garantir o direito à moradia em um ambiente ecologicamente equilibrado, frisando a necessidade da elaboração de leis atuais com a participação do povo, em conformidade com os requisitos constitucionais.

        A lei da Reurb, no âmbito de interesse social, é alternativa que consolida a relação entre o ser humano e a moradia, pelo TAC, na efetivação da Reurb-S.

        Ou seja, se faz necessária a efetivação do princípio da sustentabilidade e proporcionalidade para aqueles que vivem à margem do diálogo, dos direitos constitucionais e separados pelo Estado, de maneira a não se atentar a vontade popular.

10. Referências

I Seminário de Regularização Fundiária Rural e Urbana – 06/11/2019 – Belo Horizonte.

I Simpósio REURB na Prática – 12/12/2019 – Guarulhos: Ações Conjuntas para Superar Desafios.

FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016.

BRASIL. Regularização Fundiária Urbana em Áreas de Preservação Permanente. Ministério Público Federal, Brasília, nº 6, 2018c. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-da-atuacao/publicacoes/roteiros-da-4accr/05_18_Manual_de_Atuao_APP_ONLINE.pdf.

GOMES, Magno Federici; FERREIRA, Leandro José. A Dimensão Jurídico-Política da Sustentabilidade e o Direito Fundamental à Razoável Duração do Procedimento. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, v. 2, nº 52, p. 93-111, maio/set. 2017. Disponível em: https://online.unisc.br/seer/index.php/direito/index.

GOMES, Magno Federici; ROSSI, Camila. O Termo de Ajustamento de Conduta Como Instrumento Processual de Proteção do Meio Ambiente. Revista do Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília: Escola de Direito. RVMD, Brasília, V. 10, nº 2, p. 247-263, Jul-Dez, 2016.

DE SOTO, Hernando. O mistério do capital: por que o capitalismo dá certo nos países desenvolvidos e fracassa no resto do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2001.

FAVELAS, um problema em expansão na cidade. O Globo, Rio. Rio de Janeiro, p. 16, 30 de junho de 2009.

RODRIGUES, Marcelo Abelha; KLIPPEL, Rodrigo. A Homologação Judicial do TAC e a Formação da Coisa Julgada Coletiva em Matéria Ambiental. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de; RODRIGUES, Marcelo Abelha (Coord.). O novo processo civil coletivo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 215-233.

Mostardeiro, M. M., & Ferreira, G. C. (2005, setembro). Análise das estratégias de responsabilidade social e sua inserção na estratégia corporativa de três empresas do Rio Grande do Sul. Anais do Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Brasília, DF, Brasil, 29.

Savage, G. T., Nix, T. W., Whitehead, C. J., & Blair, J. D. (1991). Strategies for assessing and managing organizational stakeholders. Academy of Management Executive, 5(2), 61-75. 

Tapscott, D., & Ticoll, D. (2005). A empresa transparente. São Paulo: M. Books do Brasil.

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